DISCRIMINAÇÃO, DIREITOS HUMANOS E
AIDS
3.1 A discriminação e a AIDS
Desde que existem notícias da existência do homem, há também
notícias de crueldades e bondades, do mal e do bem, do egoísmo e da
solidariedade, da vida e da morte. Assim é o ser humano: ambíguo, imprevisível,
surpreendente, mutável. Infelizmente o pior aspecto da natureza humana é o que
se sobressai e fica em evidência quase como uma rotina. Povos e comunidades se
matam por crença, ódio, orgulho e intolerância; guerras e atentados terroristas
que matam crianças e idosos. O mal é generalizado, escancarado para quem quiser
assistir.
Mas não se pode negar a evolução do ser humano, com seus gestos de
amor e seus exemplos de solidariedade. Sua história social, cultural e política
justifica a dimensão ética e solidária existente na atualidade. Entretanto,
sempre houve disputas por poder e glória. Os detentores do poder agiam em
detrimento dos mais fracos, que eram manipulados e orientados sobre o que era
certo e o que era errado, de acordo com as conveniências dos dominadores.
Também o reflexo dessa manipulação está nos preconceitos e nas indiferenças
existentes, na atualidade, contra aqueles que ousaram não seguir os padrões preestabelecidos.
O preconceito é um dos ingredientes na fórmula da discriminação.
Consiste em julgar ou conceituar alguém com base em uma generalização, uma
banalização ou uma mistificação (AIEXE, 2000). Por sua vez, a discriminação é
um dos atos mais cruéis contra o ser humano. Para Arns (2000, p. 13),
"discriminar é negar cidadanias e a própria democracia". É portanto,
diferenciar algo a partir de características externas ou internas, é excluir
moralmente. Ao discriminar alguém, retira-se seu direito de ser respeitado,
impede-se seu acesso à dignidade, enfim, subtrai-se sua qualidade de ser
humano. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, em um de seus
documentos, assim se pronuncia:
Exclusão moral é o que fazemos quando colocamos pessoas ou grupos
fora das exigências básicas da justiça, sem que isso nos incomode muito. É como
se achássemos que essas pessoas não merecem viver. Não são consideradas
vítimas, são vistas como culpadas, subumanas, desumanas – e com isso nos
sentimos desobrigados de nos importar com o que acontece com elas. Simplesmente
‘desligamos’ a nossa sensibilidade moral em tais casos (ARNS, 2000, p. 21).
A AIDS trouxe consigo o estigma e o preconceito, agravando a
existência da discriminação na sociedade. Surgiu associada ao que se afirmava
como sendo comportamentos sexuais reprováveis frente à sociedade: o
homossexualismo, a prostituição e o uso de drogas (BOLETIM AÇÃO ANTI-AIDS,
2004).
Para que se possa entender melhor o comportamento de consideráveis
segmentos da sociedade brasileira em relação à AIDS, deve-se salientar o
contexto histórico em que ela surgiu. A esse respeito, Daniel; Parker (1991, p.
26) afirmam: "A epidemia começou a se desenvolver, precisamente, ao mesmo
tempo em que a sociedade brasileira tentava dar seus primeiros passos em
direção ao restabelecimento de uma democracia participativa, após duas décadas
de regime autoritário".
Após mais de vinte anos em que o país viveu sob um regime
autoritário de governo, onde a cidadania era restrita, não era de se esperar que
a resposta à epidemia da AIDS fosse solidária e efetivamente compreensiva. A
luta por direitos se reiniciava lentamente e com mais ênfase por aqueles
afetados pelo vírus de forma direta (DANIEL; PARKER, 1991). Velhos preconceitos
vieram à tona. O medo e a dúvida sobre as teorias científicas elaboradas
inicialmente a respeito do vírus HIV mesclavam-se, impedindo sua distinção,
influenciando profundamente as maneiras pelas quais a sociedade brasileira tem
respondido à epidemia (DANIEL; PARKER, 1991).
O vírus foi inicialmente detectado em homossexuais. Foi
imediatamente relacionado à opção sexual dessas pessoas, mais precisamente ao
comportamento promíscuo atribuído a esse grupo. Com isso, a AIDS foi vista, na
concepção popular, como conseqüência de comportamentos imorais. Por extensão, a
doença foi associada a qualquer grupo que se caracterizava por ter um
comportamento sexual diferenciado, como as prostitutas e grupos que possuíssem
comportamentos condenáveis, como os usuários de drogas e prisioneiros. Estes se
somaram aos homossexuais dentro das imagens estigmatizadas pela simples menção
à AIDS e tornaram-se parte de uma visão, cada vez maior, de marginalidade e de
perigo (DANIEL; PARKER, 1991).
Portanto, no Brasil, a AIDS surgiu associada a comportamentos promíscuos
e contrários à "moral"; a comportamentos condenáveis que marcavam
seus agentes e os diferenciavam dos demais cidadãos, restringindo seus direitos
mais básicos, como a dignidade da pessoa humana. Segundo Ferreira (1999), era
"um verdadeiro coquetel de sexo e morte, quase beirando o ‘pornô’, sem
assumi-lo". Como resultado desse estigma, a mistificação da AIDS
contribuiu enfaticamente para a discriminação de seus portadores, e a doença
foi transformada em mito, em um enigma a ser desvendado:
No entanto, não há algo a ser desvendado, não há coisa oculta
atrás da AIDS. Há exatamente a complexidade de um "vazio" de onde se
pode criar, inventar tudo, aquele conjunto de infinitas dimensões sociais de
onde parte a fundação imaginária da sociedade: ali onde não há determinação nem
acaso, liberdade nem opressão, porque dali saem todas as forças trágicas da
possibilidade de inventar (DANIEL; PARKER, 1991, p. 83).
Declarações feitas por alguns líderes religiosos também
contribuíram para o aumento da discriminação e da estigmatização referente a
AIDS. Por exemplo, Dom Eugenio Sales, à época Cardeal- Arcebispo do Rio de
Janeiro, disse o seguinte a respeito da AIDS:
E cai, como um raio, na humanidade, o perigo da AIDS (...) Surge
como imposição que atinge, em cheio, a inversão sexual, a troca de parceiros,
uma interminável lista de assuntos condenados pela legislação divina... Esse
clima revela a decadência dos costumes com as conseqüências de um comportamento
humano quando contraria o destino para o qual fomos criados...
Os flagelos sociais servem de instrumento para despertar a
consciência, explorar a imoralidade reinante, fazer o homem retornar aos
caminhos de Deus.
Analisando esse entendimento firmado por uma das maiores
autoridades da Igreja, no país, à época em que foi proferido, anota Ferreira
(1999): "A partir deste tipo de colocação, criou-se o preconceito de que
todo doente de AIDS homossexual mereceu de alguma forma este destino. A morte
por AIDS seria um castigo por sua vida (homo) sexual". No mesmo sentido é
o posicionamento de Susan Sontag apud RUDNICKI (2004): "Nada é mais
punitivo do que atribuir um significado a uma doença quando esse significado é
invariavelmente moralista. Qualquer moléstia importante cuja causa é obscura e
cujo tratamento é ineficaz tende a ser sobrecarregada de significação".
No momento de sua descoberta, a AIDS possuía todos os requisitos
para se tornar mistério e provocar o medo. Contudo, ela nada mais é do que uma
doença, grave, transmissível e mortal. Não é um enigma, mas um desafio a ser
vencido, tanto pela comunidade científica, como principalmente pela sociedade,
que aprenderá, através da AIDS, a ser solidária e compreensiva. Sobre essa
problemática, afirma Daniel (1991, p. 82):
O fato de ser uma doença sexualmente transmissível, de estar
atingindo inicialmente grupos estigmatizados, de estar sendo exponencialmente
diagnosticada ano após ano e num numero cada vez maior de países, de se prever
que pode atingir o conjunto da população como um todo, ligando de forma direta,
assustadora, clinica e mórbida o sexo à morte, torna a epidemia especialmente
envolvida com tabus e estigmas.
Além dessa associação com o sexo e comportamentos condenáveis, a
AIDS tem uma ligação estreita com a morte, criando medo e isolando o portador
do vírus, pelo perigo do contágio:
Diferentemente do que acontece com outras enfermidades, tem sido
repetidamente enfatizado que a AIDS não oferece às suas vítimas nenhuma
esperança de cura e sua incurabilidade tornou-se um ponto central em
praticamente todas as concepções populares mais básicas da doença como um todo.
Desse modo, quanto mais a discussão sobre a epidemia é dominada pelas
conseqüências finais de uma morte definitiva, cada vez menos atenção é dada
àquilo que podemos descrever como a qualidade de vida das pessoas com AIDS
(DANIEL; PARKER, 1991, p. 20).
É comum identificar-se o portador do HIV por "aidético".
Essa denominação carrega consigo significações que denotam fatalidade, morte e
estigmas que rotulam o portador como uma espécie apartada do ser humano. Para
Valentim (2003, p. 91), "há uma associação da enfermidade com idéias
negativas, que, muitas vezes, justifica a exclusão, o isolamento, a rejeição, o
preconceito".
A AIDS é uma doença como outra qualquer, pode atingir qualquer ser
humano a qualquer tempo, seja por sua negligência, seja por acidente. A
sociedade deve permitir ao individuo com AIDS a possibilidade de se assumir
como portador de uma enfermidade e não decretar a sua morte civil devido a essa
condição (RUDNICKI, 2004).
3.2 Violação
dos direitos humanos e suas conseqüências para o portador do HIV
A AIDS trouxe consigo uma gama de reações que, pela falta de
informação e pelas teorias mistificadoras associadas a ela, provocou grandes
violações aos direitos humanos. Sua natureza contagiosa, sua incurabilidade e
as conseqüências mortais para aqueles que a contraem, tomadas em conjunto,
firmaram uma definição em relação à doença. Apesar de tais características
referirem-se a dados científicos, os preconceitos criados em torno dele levaram
a graves violações dos direitos humanos (DANIEL; PARKER, 1991).
A AIDS revela-se como um grande desafio, na era moderna dos
direitos humanos. Sua presença levou a uma maior atenção às suas regras e
princípios, notadamente no que diz respeito à saúde publica, à dignidade da
pessoa humana e à não-discriminação. A doença tem características peculiares:
objetivas, do ponto de vista prático, como o tratamento direto pelos médicos, o
perigo de contaminação e a higiene adequada; subjetivas, do ponto de vista da
situação frágil e sensível, que assume o portador, por saber da incurabilidade
da doença, dos preconceitos e da iminência da morte. O portador do vírus deve
ser tratado com especial atenção e ter sua cidadania preservada, não sofrendo
discriminações e sendo respeitado, principalmente pelos órgãos de saúde.
A saúde pública sempre foi um grande problema no Brasil e, com o
advento da AIDS, só tendeu a piorar. Quase todas as medidas de controle de
doenças transmissíveis tem implicações para os direitos humanos. No caso da
AIDS, pode-se identificar os portadores do vírus para isolá-los e submetê-los a
uma quarentena. "No decorre dos séculos, a saúde pública evoluiu com base
na coerção, compulsão e restrição e, portanto, não se ajusta facilmente às
exigências de respeito aos direitos humanos" (MANN; TARANTOLA; NETTER,
1993, p.243):
Pessoas portadoras do vírus HIV foram despejadas de suas casas,
abandonadas por seus familiares e amigos, proibidas de freqüentar escolas;
perderam seus empregos, tiveram seu acesso a hospitais e clínicas vetados, bem
como médicos recusaram-se a prestar-lhes auxílio e tratamento; foram, enfim,
excluídas do convívio social e da vida integrada à comunidade. Algumas pessoas
chegaram até a pensar em construir campos para concentrar os indivíduos portadores
do vírus. Por mais paradoxal que seja, isso aconteceu numa época em que, de
modo nunca antes visto, a humanidade primava por defender e assegurar, nas
ordens jurídicas nacionais e internacionais, os direitos humanos (VALENTIM,
2003, p. 13).
Vários exemplos podem ser apontados como violações dos direitos
humanos, como o direito de ir e vir, que sofreu severas restrições. Os Estados
Unidos da América, por exemplo, em sua legislação, proibia a entrada de
portadores do vírus HIV no país. Essa atitude fez com que a VIII Conferência
Internacional sobre AIDS fosse transferida de Boston para Amsterdã. No interior
de Minas Gerais, um jovem que voltou para casa depois de ter contraído o vírus
da AIDS no Rio de Janeiro, foi apedrejado e expulso de sua cidade (DANIEL;
PARKER, 1991).
Outro direito violado é o direito à saúde, que deve ser assegurado
a todo cidadão. Mas foi brutalmente retirado do portador do vírus HIV, não só
pelo tratamento dispensado pelos hospitais e profissionais de saúde, como pela
falta inicial de tratamento adequado e de atenção ao problema 3 (VALENTIM, 2003).
Os próprios profissionais da saúde rejeitavam pacientes, pelo
simples fato de "aparentarem" ser portadores do vírus HIV. As
prostitutas, travestis, homossexuais ou qualquer outra pessoa que tivesse uma
aparência duvidosa, não tinham atendimento médico. Mesmo quando recebiam
atendimento, eram bombardeados com questionamentos agressivos por parte de
diversos profissionais, sem nem mesmo terem feito qualquer exame. Como
resultado da associação da AIDS com a promiscuidade, diversos profissionais de
saúde negaram-se a fazer atendimentos e procedimentos cirúrgicos simples.
Segundo registram Daniel; Parker (1991), muitas pessoas abandonavam o local de
atendimento médico desesperadas, sem receber nenhuma orientação, e acabavam
morrendo sozinhas em suas casas, sem nenhum atendimento médico. Os citados
autores acrescentam:
Em grandes cidades, como Rio ou São Paulo, pacientes com AIDS
foram recusados em hospitais locais e foram deixados, às vezes, deitados nas
entradas de emergência durante horas, enquanto seus parentes tentavam arranjar
permissão para que fossem atendidos. Choferes de ambulâncias recusaram-se a dar
transporte a pacientes suspeitos de estarem com AIDS e até mesmo pessoal médico
altamente especializado foi algumas vezes responsável pela disseminação de
informações imprecisas e incorretas sobre a natureza da AIDS (DANIEL; PARKER,
19914, p. 21).
O direito ao trabalho também foi violado. Determinados grupos
defendiam a limitação a até a negação desse direito à pessoa portadora do vírus
HIV, sob a alegação de que existia o risco de transmissão do vírus para os
outros trabalhadores no local de trabalho. Contudo, é fato que o convívio em
ambiente socialmente receptivo, onde o portador do vírus não se sinta
discriminado, é fator importante no tratamento da doença. Logo, trabalhar e
sentir-se integrado, respeitado e produtivo contribui para o seu tratamento,
aumentando sua auto-estima e, conseqüentemente, preservando seu estado de saúde
(VALENTIM, 2003).
Um dos princípios de maior importância para a existência do ser
humano – a dignidade da pessoa humana - foi e ainda é, como conseqüência das
associações e estigmas relacionados à AIDS, um dos mais violados. Isso
acarretou maiores e mais drásticas conseqüências para pandemia da AIDS e para o
portador do vírus HIV. Com a violação desse princípio, pode-se dizer que todos
os outros foram violados, pois todo ser humano é digno de direitos, de ser
tratado com respeito. A discriminação e o preconceito foram os meios mais
perversos e os mais utilizados para ferir o direito à dignidade do portador do
vírus. Os relatos acima transcritos sobre os direitos que foram violados são
conseqüência direta da discriminação e do preconceito.
Existe uma estreita ligação entre a AIDS e a discriminação. A
discriminação prejudica o trabalho de prevenção, informação e educação sobre a
AIDS, criando um ambiente social que cria obstáculos para os programas com essa
finalidade. "Ameaças e coerções às pessoas infectadas pelo HIV acabam por
afastar as pessoas (...) dos serviços sociais e de saúde criados para ajudar a
prevenir a transmissão do HIV. Portanto do ponto de vista prático, a
discriminação foi considerada uma ameaça à saúde pública" (MANN;
TARANTOLA; NETTER, 1993, p. 244):
Pessoas que estão envolvidas em práticas ou comportamentos que as
coloquem em risco devem, portanto, optar entre viver com a incerteza de nunca
terem sido testadas ou, o que percebem ser um risco ainda maior, serem testadas
em condições que não protejam sua confidencialidade e seus direitos humanos
básicos (DANIEL; PARKER, 1991, p. 25).
O medo da discriminação fez com que as pessoas se afastassem dos
programas de prevenção. Para muitos, era preferível ficar com a dúvida que
correr o risco de saberem que possuíam o vírus e serem tachados pelos estigmas
que acompanham a doença. Preferiam não enfrentar os olhares e as reações das
pessoas:
O estigma é uma barreira impedindo que as pessoas com HIV revelem
sua condição e consigam os serviços de apoio e assistência disponíveis,
prejudicando também a prevenção do HIV, que estimula as pessoas a adotarem um
comportamento mais seguro. A associação do HIV com o "mau"
comportamento e a morte faz com que as pessoas desistam de descobrir se são
soropositivas ou de revelar sua condição quando sabem que são (BOLETIM AÇÃO
ANTI-AIDS, 2004).
Conforme anota Ferreira (1999), durante todos esses anos, desde o
descobrimento da existência da AIDS aos dias de hoje, ficou demonstrada a clara
relação entre a discriminação e a marginalização social, e como conseqüência, a
facilitação da exposição ao HIV. Apesar de ter sido associada inicialmente a
homossexuais, jovens e ricos, atualmente observa-se uma grande socialização e
pauperização da AIDS. Pessoas com desníveis sociais, ou seja, pessoas carentes
e, conseqüentemente, desassistidas são as principais vítimas da AIDS. Sem
educação e sem condições de obter tratamento e informações sobre a doença,
essas pessoas ficam vulneráveis à epidemia e ao desenvolvimento da AIDS, por
falta de acompanhamento adequado:
Estamos num país onde a maioria da população é carente e
desassistida. É inevitável que esta população seja fonte do maior contingente
de doentes de AIDS, principalmente porque não possui recursos – nem materiais,
nem simbólicos; se faltam hospitais, faltam também educação e informação para
enfrentar a doença (DANIEL; PARKER, 1991, p. 45).
O efeito negativo da discriminação frente à AIDS é mundialmente
reconhecida. De acordo com as normas internacionais de direitos humanos e
HIV/AIDS previstas nas Diretrizes Internacionais das Nações Unidas, a
não-discriminação e a igualdade devem ser aplicadas especificamente ante a
epidemia de HIV/AIDS:
La normativa internacional de derechos humanos garantiza el
derecho a la igualdad ante la ley y a la no discriminación, sin distinción
alguna de raza, color, sexo, idioma, religión, opinión política o de cualquier
otra índole, origen nacional o social, posición económica, nacimiento o
cualquier otra condición social. La discriminación por cualquiera de estos
motivos no solo es injusta en sí sino que crea y mantiene condiciones que
conducen a la vulnerabilidad social a la infección por VIH (SEGUNDA CONSULTA
INTERNACIONAL SOBRE EL VIH/SIDA Y LOS DERECHOS HUMANOS, 1996, p. 48)4.
O Programa das Nações Unidas para a AIDS (UNAIDS) destaca a
importância do respeito aos direitos humanos, argumentando que, se a
discriminação não fosse evitada, a saúde pública sairia prejudicada. Num outro
aspecto, a indiferença e a discriminação podem acarretar sérios problemas para
a saúde. A partir do momento em que não há o reconhecimento e a assistência
necessária às pessoas soropositivas, estas, sentindo-se marginalizadas, podem
desenvolver atitudes desesperadas e destrutivas para si próprias e contra os
outros (FERREIRA, 2004).
A referida autora, em sua dissertação de Mestrado em Saúde
Pública, ao abordar a AIDS e a violência, entrevistou portadores do vírus HIV.
Um dos entrevistados reflete bem os estigmas relacionados a quem possui o
vírus, ao dar o seguinte depoimento:
Mas o governo em si devia fazer um trabalho em cima dessas pessoas
miseráveis. Eles é que estão se contaminando entre si, e eles estão se
preocupando com a classe média e da alta pra cima (...). Nossa Senhora, ele já
é pobre, é discriminado por ser miserável e ainda doente. (...) Quando chega um
paciente que tenha um poder aquisitivo, às vezes até mesmo pessoas de boa
aparência (...), então esses aí são bem tratados. Mas esses que são coitados,
no final da vida, se descobrirem que é um portador, aí então o tratamento fica
pior ainda (...). Porque geralmente a sociedade em geral, ela vê o portador
como um depravado. Ela não vê o lado social da coisa, a questão de ter um
parceiro, de poder transar, pegar a doença e for conseqüência deste acontecido,
ele não vê por esse lado. Pra ele o aidético é tudo depravado, é drogado, é
pobre, vive na vida mundana, né? Só vê a coisa por esse lado, e às vezes não é
por aí e acaba por deprimir ainda mais o paciente. (...) Eles não estão
preparados. Não sei se é por falta de verbas, de falta de conhecimento, eles
não estão preparados para esse tipo de coisa. E a AIDS já tem mais de 10 anos.
Portanto, o estigma e o preconceito afastam as pessoas dos
programas de ajuda. E, para agravar, o silêncio, como sempre ocorre no que diz
respeito aos direitos humanos, permite a continuidade evidente das violações
(MANN; TARANTOLA; NETTER, 1993). Numa análise sobre o desenvolvimento da AIDS
no contexto brasileiro, é fácil perceber-se que a violação dos direitos humanos
sempre foi o pano de fundo de sua história social. O desrespeito aos direitos
humanos básicos marcou o surgimento e o desenvolvimento da doença.
Lamentavelmente, não houve um avanço no que se refere à discriminação e ao
preconceito:
(...) ficou claro que a discriminação social, em todas as suas
manifestações, gerou uma maior vulnerabilidade à infecção pelo HIV. Portanto,
os esforços no sentido de proteger os direitos humanos e promover a dignidade
humana são extremamente importantes para a proteção da saúde pública na
pandemia de HIV/AIDS (MANN; TARANTOLA; NETTER, 1993, p. 242).
Um dos documentos que marcou a luta pelos direitos dos portadores
do HIV/AIDS e pelo fim da discriminação e do preconceito foi a Declaração dos
Direitos Fundamentais da Pessoa Portadora do Vírus da AIDS (2004), idealizada
pelo escritor Herbert Daniel, divulgada em 1989 em Porto Alegre. O documento
considera a solidariedade essencial no combate ao preconceito e à
discriminação. Proclama que todo portador do vírus da AIDS tem direito à
participação, em todos os aspectos, da vida social e que toda ação que venha a
recusar aos portadores do vírus um emprego, um alojamento, uma assistência ou
privá-los disso deverá ser condenada.
Assim, qualquer comportamento que tenda a restringir a
participação do portador do vírus HIV nas atividades coletivas, escolares e
militares, deve ser considerado discriminatório e ser punido por lei. O
documento diz ainda que todo portador do vírus tem direito a preservar sua vida
civil, profissional, sexual e afetiva. Portanto, nenhuma ação poderá restringir
seus direitos à cidadania.
3.3 AIDS e
direitos humanos
No decorrer da história do homem e de sua existência, seu convívio
coletivo sempre exigiu regras. Desde suas origens o homem sempre foi marcado
por suas diferenças, sejam sociais, biológicas ou culturais. Apesar dessas
diferenças, tem em comum a capacidade de amar e de pensar. "É o
reconhecimento universal de que, em razão dessa radical igualdade, ninguém –
nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação – pode
afirmar-se superior aos demais" (COMPARATO, 2004, p. 1).
Das próprias características que definem o ser humano e sua
essência provém o seu direito à dignidade e ao respeito. Contudo, apesar de sua
capacidade de amar, o ser humano, no decorrer de sua existência, é tocado por
sentimentos negativos e destrutivos, como o ódio e o egoísmo.
Contraditoriamente, esses sentimentos negativos fazem surgir a necessidade de
proteger a dignidade e o respeito ao homem:
A compreensão da dignidade suprema da pessoa humana e de seus
direitos, no curso da historia, tem sido, em grande parte, o fruto da dor
física e do sofrimento moral. A cada grande surto de violência, os homens
recuam, horrorizados, à vista da ignomínia que afinal se abre claramente diante
de seus olhos; e o remorso pelas torturas, as mutilações em massa, os massacres
coletivos e as explorações aviltantes fazem nascer nas consciências, agora
purificadas, a exigência de novas regras de uma vida mais digna para todos
(COMPARATO, 2004, p. 37).
As violações dos direitos humanos, praticadas durante toda a
história da humanidade, repetem-se com o surgimento da AIDS. Essa violação
ocorreu, principalmente, contra aqueles que possuem menos condições de
reivindicar e proteger seus direitos. Essas pessoas tornaram-se o alvo de
medidas restritivas e compulsórias de controle da AIDS, gerando uma urgente
necessidade de associar a AIDS a um amplo trabalho sobre direitos humanos
(MANN; TARANTOLA; NETTER, 1993):
Surgiram novos problemas no contexto da pandemia de HIV/AIDS: o
medo do contágio foi usado para discriminar pessoas soropositivas (ou que
supostamente o seriam) e os indivíduos associados a elas, gerando assim novas
justificativas para discriminação – a possibilidade de estar infectado – e a
conseqüente necessidade de garantia do respeito aos direitos humanos (MANN;
TARANTOLA; NETTER, 1993, p. 246).
A proteção da dignidade do homem se efetiva através dos direitos
humanos, ou seja, direitos que garantem uma existência digna e de respeito. A
AIDS é um problema mundial, e não pode ser analisada apenas em seus aspectos
clínicos. Herbert Daniel apud RUDNICKI (2004), atribui à ciência o papel de
descobrir soluções médicas e afirma que com isso não estariam solucionando
nenhum grande enigma. O desafio que a AIDS nos impõe é o das reações sociais,
das discriminações e restrições feitas ao portador do vírus:
Na cerimônia de abertura (XIII Conferência Internacional de AIDS –
Durban), Aung San Suu Kyi, premiada com o Nobel, falou sobre compaixão e disse
que a questão do HIV não era puramente médica, nem mesmo, como alguns gostariam
de pensar, moral. Ela seria uma questão social, uma questão humana, pois lida
com relações humanas. A palestrante acrescentou que os únicos direitos humanos
que têm real significado e efeito são aqueles baseados na compaixão (DUROVNI,
2004).
As violações dos direitos humanos são constantes e, por isso,
sempre houve necessidade da positivação desses direitos para que houvesse sua
efetiva proteção. Atualmente, existem pactos e convenções internacionais protegendo
e tutelando esses direitos, e cada Estado possui sua legislação para
promovê-los. Como conseqüência das violações dos direitos humanos, atos
normativos visando à proteção de direitos e liberdades individuais foram
editados em âmbito nacional e internacional. Porém, internacionalmente só houve
uma resposta à crise da AIDS, em 1985, quando começaram a aparecer indícios de
que a doença era um problema global:
A necessidade de respeitar os direitos humanos na resposta ao
HIV/AIDS foi ratificada primeiro pelo Conselho da Europa, depois pela
Assembléia de Saúde Mundial, depois pela Comissão de Direitos Humanos das
Nações Unidas e sua Subcomissão para Prevenção da Discriminação e Proteção das
Minorias. Essas declarações e posições sobre políticas foram seguidas por um
grande número de organizações, intergovernamentais e não-governamentais,
internacionais e nacionais, que adotaram políticas ou diretrizes sobre os
aspectos da AIDS relacionados aos direitos humanos (MANN; TARANTOLA; NETTER,
1993, p. 268).
Desde o surgimento da AIDS no Brasil, muito se avançou no que diz
respeito às ações governamentais. Entretanto, no início da descoberta do vírus,
o Brasil implementou apenas ações de cunho publicitário e informativo. Nesse
sentido, em 1985, uma Portaria Ministerial editou diretrizes para um programa
de controle da AIDS, que passou a supervisionar as demais coordenações
nacionais e a responder pelos programas de prevenção. Contudo, somente em 1993,
com base em um acordo feito entre o governo brasileiro e o Banco Mundial
(BIRD), a política nacional de prevenção e controle da AIDS começou a ser
efetiva. A partir desse acordo, houve investimentos pesados na difusão de
informações e educação, com campanhas de orientação e distribuição de
preservativos (PRADO; CUNHA, 2002).
Os direitos humanos devem ser preservados e garantidos pelos três
Poderes que compõem a República Federativa do Brasil: o Executivo, o
Legislativo e o Judiciário. Devem estar presentes também na atuação de
organizações não-governamentais. No âmbito do Poder Executivo, alguns
Ministérios implantaram planos de ações para a prevenção e o controle do
HIV/AIDS. Particularmente, através do Ministério da Saúde, foram desenvolvidas
políticas públicas e ações referentes ao combate à AIDS:
A política desenvolvida pelo Ministério da Saúde tem três grandes
objetivos, que norteiam suas ações: 1) redução da incidência da infecção pelo
HIV/AIDS e outras DST; 2) ampliação do acesso ao diagnóstico, ao tratamento e à
assistência; 3) fortalecimento das instituições públicas e privadas,
responsáveis pelo controle das DST/AIDS. Esses
AIDS E DIREITOS HUMANOS
No decorrer da história do homem e de
sua existência, seu convívio coletivo sempre exigiu regras. Desde suas origens
o homem sempre foi marcado por suas diferenças, sejam sociais, biológicas ou
culturais. Apesar dessas diferenças, tem em comum a capacidade de amar e de
pensar. "É o reconhecimento universal de que, em razão dessa radical
igualdade, ninguém – nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo
religioso ou nação – pode afirmar-se superior aos demais" (COMPARATO,
2004, p. 1).
Das próprias características que
definem o ser humano e sua essência provém o seu direito à dignidade e ao
respeito. Contudo, apesar de sua capacidade de amar, o ser humano, no decorrer
de sua existência, é tocado por sentimentos negativos e destrutivos, como o
ódio e o egoísmo. Contraditoriamente, esses sentimentos negativos fazem surgir
a necessidade de proteger a dignidade e o respeito ao homem:
A compreensão da dignidade suprema
da pessoa humana e de seus direitos, no curso da historia, tem sido, em grande
parte, o fruto da dor física e do sofrimento moral. A cada grande surto de
violência, os homens recuam, horrorizados, à vista da ignomínia que afinal se
abre claramente diante de seus olhos; e o remorso pelas torturas, as mutilações
em massa, os massacres coletivos e as explorações aviltantes fazem nascer nas
consciências, agora purificadas, a exigência de novas regras de uma vida mais
digna para todos (COMPARATO, 2004, p. 37).
As violações dos direitos humanos,
praticadas durante toda a história da humanidade, repetem-se com o surgimento
da AIDS. Essa violação ocorreu, principalmente, contra aqueles que possuem
menos condições de reivindicar e proteger seus direitos. Essas pessoas tornaram-se
o alvo de medidas restritivas e compulsórias de controle da AIDS, gerando uma
urgente necessidade de associar a AIDS a um amplo trabalho sobre direitos
humanos (MANN; TARANTOLA; NETTER, 1993):
Surgiram novos problemas no
contexto da pandemia de HIV/AIDS: o medo do contágio foi usado para discriminar
pessoas soropositivas (ou que supostamente o seriam) e os indivíduos associados
a elas, gerando assim novas justificativas para discriminação – a possibilidade
de estar infectado – e a conseqüente necessidade de garantia do respeito aos
direitos humanos (MANN; TARANTOLA; NETTER, 1993, p. 246).
A proteção da dignidade do homem se
efetiva através dos direitos humanos, ou seja, direitos que garantem uma
existência digna e de respeito. A AIDS é um problema mundial, e não pode ser
analisada apenas em seus aspectos clínicos. Herbert Daniel apud RUDNICKI
(2004), atribui à ciência o papel de descobrir soluções médicas e afirma que
com isso não estariam solucionando nenhum grande enigma. O desafio que a AIDS
nos impõe é o das reações sociais, das discriminações e restrições feitas ao
portador do vírus:
Na cerimônia de abertura (XIII
Conferência Internacional de AIDS – Durban), Aung San Suu Kyi, premiada com o
Nobel, falou sobre compaixão e disse que a questão do HIV não era puramente
médica, nem mesmo, como alguns gostariam de pensar, moral. Ela seria uma
questão social, uma questão humana, pois lida com relações humanas. A
palestrante acrescentou que os únicos direitos humanos que têm real significado
e efeito são aqueles baseados na compaixão (DUROVNI, 2004).
As violações dos direitos humanos são
constantes e, por isso, sempre houve necessidade da positivação desses direitos
para que houvesse sua efetiva proteção. Atualmente, existem pactos e convenções
internacionais protegendo e tutelando esses direitos, e cada Estado possui sua
legislação para promovê-los. Como conseqüência das violações dos direitos
humanos, atos normativos visando à proteção de direitos e liberdades
individuais foram editados em âmbito nacional e internacional. Porém,
internacionalmente só houve uma resposta à crise da AIDS, em 1985, quando
começaram a aparecer indícios de que a doença era um problema global:
A necessidade de respeitar os
direitos humanos na resposta ao HIV/AIDS foi ratificada primeiro pelo Conselho
da Europa, depois pela Assembléia de Saúde Mundial, depois pela Comissão de
Direitos Humanos das Nações Unidas e sua Subcomissão para Prevenção da
Discriminação e Proteção das Minorias. Essas declarações e posições sobre
políticas foram seguidas por um grande número de organizações,
intergovernamentais e não-governamentais, internacionais e nacionais, que
adotaram políticas ou diretrizes sobre os aspectos da AIDS relacionados aos
direitos humanos (MANN; TARANTOLA; NETTER, 1993, p. 268).
Desde o surgimento da AIDS no Brasil,
muito se avançou no que diz respeito às ações governamentais. Entretanto, no
início da descoberta do vírus, o Brasil implementou apenas ações de cunho
publicitário e informativo. Nesse sentido, em 1985, uma Portaria Ministerial
editou diretrizes para um programa de controle da AIDS, que passou a
supervisionar as demais coordenações nacionais e a responder pelos programas de
prevenção. Contudo, somente em 1993, com base em um acordo feito entre o
governo brasileiro e o Banco Mundial (BIRD), a política nacional de prevenção e
controle da AIDS começou a ser efetiva. A partir desse acordo, houve
investimentos pesados na difusão de informações e educação, com campanhas de
orientação e distribuição de preservativos (PRADO; CUNHA, 2002).
Os direitos humanos devem ser
preservados e garantidos pelos três Poderes que compõem a República Federativa
do Brasil: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Devem estar presentes
também na atuação de organizações não-governamentais. No âmbito do Poder
Executivo, alguns Ministérios implantaram planos de ações para a prevenção e o
controle do HIV/AIDS. Particularmente, através do Ministério da Saúde, foram
desenvolvidas políticas públicas e ações referentes ao combate à AIDS:
A política desenvolvida pelo
Ministério da Saúde tem três grandes objetivos, que norteiam suas ações: 1)
redução da incidência da infecção pelo HIV/AIDS e outras DST; 2) ampliação do
acesso ao diagnóstico, ao tratamento e à assistência; 3) fortalecimento das
instituições públicas e privadas, responsáveis pelo controle das DST/AIDS.
Esses objetivos desdobram-se em outros, a saber: (...); 2) promover a garantia
dos direitos fundamentais das pessoas atingidas, direta ou indiretamente, pelo
HIV/AIDS; (...); 4) promover o acesso das pessoas com infecção pelo HIV (...) à
assistência de qualidade (VALENTIM, 2003, p. 220-221).
O Ministério da Justiça, em 1996,
após as pressões e denúncias internacionais sobre a violação de direitos
humanos, instituiu o Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH (Decreto nº
1.904, de 13/05/1996). O programa destacava que os direitos humanos não eram
apenas um conjunto de princípios morais, devendo estabelecer obrigações
jurídicas concretas aos Estados (FERREIRA, 2004).
O Decreto nº 1.904/96 foi revogado, e
o Programa Nacional de Direitos Humanos passou a ser regido pelo Decreto nº
4.229, de 13/05/2002. Dentre suas propostas para a proteção dos direitos
humanos das pessoas portadoras do HIV/AIDS, destacam-se as seguintes:
Apoiar a participação dos
portadores de doenças sexualmente transmissíveis – DST e de pessoas com
HIV/AIDS e suas organizações na formulação e na implementação de políticas e
programas de combate e prevenção das DST e do HIV/AIDS; incentivar campanhas de
informação sobre DST e HIV/AIDS, visando esclarecer a população sobre os
comportamentos que facilitem ou dificultem a sua transmissão; apoiar a melhoria
da qualidade do tratamento e da assistência das pessoas com HIV/AIDS, incluindo
a ampliação da acessibilidade e a redução de custos; assegurar atenção às
especificidades e à diversidade cultural das populações, às questões de gênero,
raça e orientação sexual nas políticas e nos programas de combate e prevenção
das DST e HIV/AIDS, nas campanhas de informação e nas ações de tratamento e
assistência; incentivar a realização de estudos e pesquisas sobre DST e
HIV/AIDS nas diversas áreas do conhecimento, atentando para princípios éticos
de pesquisa (VALENTIM, 2003, p. 223-224).
O Poder Legislativo aprovou leis que
beneficiam e protegem os portadores do vírus HIV. A Lei Federal nº 7.670/88
incluiu a AIDS no rol de doenças que justificam benefícios previdenciários,
como o auxílio-doença, aposentadoria ou auxílio-reclusão, assim como o saque
dos valores correspondentes ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS),
independentemente de rescisão do contrato de trabalho.
Segundo Valentim (2003), é importante
ressaltar que os direitos concedidos por essa lei não devem ser usados para
excluir o portador do HIV do trabalho, numa forma disfarçada de discriminação.
Um empregado portador do vírus HIV, mas ainda capaz para o trabalho, pode ser
incentivado a se beneficiar desses benefícios, para que não permaneça no
ambiente de trabalho em contato com os demais trabalhadores e clientes. O ideal
é que, enquanto a doença não impossibilite o trabalhador de realizar suas
tarefas, este continue a trabalhar, de preferência com o apoio, o conforto e a
compreensão dos colegas de trabalho.
Outras leis foram editadas
beneficiando o portador do HIV/AIDS, visando à prevenção e ao controle da
doença, destacando-se: Lei nº 7.713/88, que isenta o portador do vírus HIV do
pagamento do imposto de renda sobre seus proventos de aposentadoria; Lei nº
7.649/88, que torna obrigatório o cadastramento de todos os doadores de sangue
e a realização de exames laboratoriais para testar sua qualidade, incluindo o
teste anti-HIV; Lei nº 8.213/91, que concede ao portador do HIV/AIDS a
inexigência de carência para a concessão de benefícios previdenciários
(VALENTIM, 2003).
Nos diversos ramos do direito, foram
adotadas normas que permitem ao portador ser tratado de forma igualitária, sem
discriminações. No direito civil, destacam-se: as ações por danos morais; o
direito ao sigilo quanto à sua situação de portador do HIV, especialmente dos
profissionais de saúde; o direito a alimentos, podendo ser requerida pensão não
só aos pais, como também a qualquer parente que tenha condições para suprir as
necessidades do portador; o direito à saúde; o direito sucessório, que tem
jurisprudência consolidada no que diz respeito à sucessão de companheiros,
independentemente da opção sexual (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2000).
A Lei Federal nº 9.313/96 garante ao
portador do HIV/AIDS a distribuição gratuita da medicação necessária ao
tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Cabe ressaltar a rapidez com que
foi elaborada e aprovada esta lei, fruto da pressão das ONG´s:
Na sessão "Fortalecimento,
Defesa e Ativismo" (XIII Conferência Internacional de AIDS – Durban),
foram discutidas formas de pressionar os governos para que invistam mais no
tratamento dos pacientes com HIV/AIDS. O exemplo do Brasil foi lembrado para
demonstrar que o ativismo pode fazer com que o governo garanta o fornecimento
de medicamentos para todos os indivíduos em tratamento (DUROVNI, 2004).
Após a promulgação da lei de
distribuição gratuita de medicamentos para o tratamento da AIDS, a etapa
seguinte foi a definição de uma política de tratamento médico e a produção de
medicamentos genéricos em laboratórios públicos, como política de barateamento
dos custos dos medicamentos. Com essa política de barateamento dos
medicamentos, o Brasil reduziu em 70% o preço final, em média, em comparação ao
valor cobrado pelos laboratórios norte-americanos. Desde a implantação dessa
política, o número de óbitos causados pela AIDS vem sendo reduzido gradualmente
(VALENTIM, 2003).
A política de distribuição gratuita
de medicamentos para o tratamento da AIDS rendeu ao Brasil elogios e o tornou
referência nesse campo. De acordo com o Relatório Mundial sobre a epidemia da
doença, divulgado pelo Programa de AIDS das Nações Unidas-UNAIDS, em 2004, a
melhor situação em relação ao tratamento está nos países em desenvolvimento,
especialmente na América Latina. O continente é responsável pelo maior acesso
aos medicamentos para AIDS e grande parte desse acesso é atribuída ao Brasil. O
relatório ressalta que o Brasil ainda é o único país a garantir o acesso aos
anti-retrovirais para um grande número de pessoas, destacando também a boa
infra-estrutura da rede de saúde como um todo.
O relatório apresenta o Brasil como
um líder na área de cooperação entre países em desenvolvimento. Desde 2002, o
governo brasileiro mantém o Projeto de Cooperação Internacional – PCI, que
garante tratamento a cem pessoas com AIDS em quatorze países da África e da
América Latina. Além do acesso aos medicamentos, o projeto prevê a formação de
profissionais de saúde e o apoio à construção de sistemas logísticos de
distribuição e de controle de estoque dos anti-retrovirais. Os tratamentos são
garantidos com medicamentos genéricos produzidos no Brasil. O projeto como um
todo conta com o apoio de agências internacionais de países desenvolvidos, como
Inglaterra e Alemanha.
Parker (1994) propôs, há dez anos,
como política de prevenção à AIDS, o direcionamento das campanhas para
populações mais específicas. A idéia era que mudanças de atitudes e
comportamentos resultantes de atividades de educação sobre a AIDS no Brasil
pudessem se desenvolver. Naquela época, houve um aumento de 6% para 27% no uso
de preservativos, como forma de redução de risco do contágio do vírus HIV.
Afirmava o autor, em 1994, que no futuro dever-se-ia reduzir o preconceito e a
discriminação relacionados à AIDS e conceder um melhor direcionamento das
políticas de prevenção a comunidades específicas.
O atual relatório UNAIDS constata o
sucesso das sugestões de Richard Parker. Segundo ele, o Brasil tem alcançado
bons resultados no que diz respeito à prevenção de novas infecções. O principal
destaque se refere à integração das ações, que prevê estratégias para toda a
população e intervenções com populações específicas, como a redução de danos
para usuários de drogas injetáveis e os projetos de mudança de comportamento
entre homossexuais e profissionais do sexo, passando pela promoção do diagnóstico
precoce. É ressaltado, ainda, o aumento do uso de preservativos no país, que
foi da ordem de 62% entre 1996 e 2000:
Juntamente com atividades de outras
organizações mais genéricas que trabalham com AIDS, como o GAPA e a ABIA, o
surgimento de atividades educacionais específicas enraizadas em comunidades
locais constituiu provavelmente o avanço mais significativo no campo da
educação sobre AIDS no Brasil (PARKER, 1994, p. 108).
Apesar do exemplo do Brasil em
relação ao tratamento, falta ainda muito, no que diz respeito ao cumprimento
das leis de proteção ao portador do HIV/AIDS e às próprias leis que não
abrangem todos os aspectos que envolvem a doença:
Em nosso país, um dos campeões
mundiais em desigualdades e discriminações, sob o ponto de vista do vírus, é
possível afirmar que a AIDS vai bem, muito obrigado! E aqui é importante
reconhecer que o problema não é somente do "governo", mas de todo e
qualquer cidadão, portador do HIV ou não, porque os indicadores apontam para
uma epidemia com crescimento rápido e constante (COORDENAÇÃO NACIONAL DE DST E
AIDS, 1998, p. 15).
O Poder Judiciário é de extrema
importância na proteção dos direitos do portador do HIV/AIDS. Ao aplicar a lei
aos casos concretos, o Judiciário possibilita a efetividade dos direitos humanos.
Em análise dos julgados dos tribunais brasileiros, nota-se um grande avanço no
reconhecimento da doença, no deferimento de direitos aos portadores do HIV e no
cuidado da prevenção e do tratamento (COORDENAÇÃO NACIONAL DE DST E AIDS,
1998).
Desde o início da epidemia, houve
questionamentos que impulsionaram a formação de grupos na luta contra a AIDS e
a onda de preconceitos que a acompanhava. Esses grupos formaram as ONGs. Sobre
elas Leilah Landim apud GALVÃO (1994, p. 344), esclarece: "ONGs são entidades
que se apresentam como estando ‘a serviço’ de determinados ‘movimentos sociais’
de camadas de população ‘oprimidas’, ou ‘exploradas’, ou ‘excluídas’, dentro de
perspectivas de transformação social".
Segundo Prado (2002) as ONGs
desenvolveram um importante papel, com trabalhos de prevenção e assistência, na
defesa dos direitos dos portadores do HIV. Essa atuação foi uma reação às
demonstrações de discriminação e preconceito a às violações de direitos
humanos, conforme esclarecem Daniel; Parker (1991, p. 27):
Realmente, o que talvez seja
surpreendente seja o fato de que, gradualmente, no decorrer dos últimos anos,
essa síndrome de preconceitos – e a violação de direitos humanos fundamentais e
da dignidade humana que tão freqüentemente produziu – tenha sido questionada
por pessoas e grupos que se formaram para lutar contra ela.
Várias ONGs foram criadas em defesa
do portador do HIV/AIDS no Brasil, destacando-se as seguintes: GAPA/SP – Grupo
de Apoio à Prevenção à AIDS, a primeira entidade brasileira notoriamente
dedicada a apoiar pessoas com AIDS; ABIA – Associação Brasileira
Interdisciplinar de AIDS, que pautou sua atuação na busca do profissionalismo e
pela contundente crítica à política governamental brasileira em relação à
epidemia de HIV/AIDS; Grupo pela VIDDA – Grupo pela Valorização, Integração e
Dignidade do Doente de AIDS. É preciso registrar que a entrada dessa
organização no cenário nacional mudou a qualidade do discurso até então
apresentado pelas outras. Com Herbert Daniel, a negação dos direitos das
pessoas portadoras do HIV/AIDS ganha a definição de "morte civil",
passando o tratamento contra a discriminação e o preconceito a ser feito
através da solidariedade (GALVÃO, 1994).
Com a formação desses grupos, um
importante problema da epidemia foi atacado: a luta pelo fim da discriminação e
do preconceito. Nessa luta, a solidariedade foi considerada a única resposta
eficiente contra a epidemia da AIDS:
Durante os últimos anos então,
esses diversos grupos e organizações começaram gradualmente a abrir um novo
campo na luta contra a AIDS no Brasil – criar o que pode ser descrito como uma
política de AIDS destinada a combater não apenas a epidemia da infecção pelo
HIV, mas também a terceira epidemia de preconceito e discriminação. Estiveram
na frente de batalha na denuncia da discriminação contra pessoas com AIDS, bem
como de pessoas consideradas em maior risco, e centralizaram seu combate, acima
de tudo, talvez, nos efeitos da estigmatização e da marginalização. Em última
instância, ofereceram, em oposição a isso, a noção de solidariedade como a
única resposta realmente aceitável contra a AIDS (DANIEL; PARKER, 1993, p. 28).
Não basta apenas o conhecimento, pelo
portador do HIV/AIDS, das leis que garantem seus direitos. É preciso que essas
normas sejam aplicadas e respeitadas, independentemente da atuação do Poder
Judiciário, para que a dignidade do portador do HIV/AIDS seja reconhecida
(GAPA/RS, 2001). Nessa luta contra a AIDS, enquanto não houver uma resposta
solidária e compreensiva da sociedade em todos os seus aspectos, os direitos
humanos surgem como garantia de que os direitos básicos do portador do HIV/AIDS
serão respeitados e aplicados.
Para que se possa combater as
violações dos direitos humanos praticadas contra os portadores do vírus
HIV/AIDS, é necessário um amplo trabalho de informação, de modo que a sociedade
compreenda o que é a AIDS, suas formas de transmissão, a atuação do vírus no
corpo humano e seu tratamento. Essas informações são necessárias e devem ser
transmitidas de forma clara, sem que provoquem dúbias interpretações. Se a
doença for inteiramente compreendida, será mais fácil trabalhar na
conscientização contra a discriminação e o preconceito.
O envolvimento da comunidade com a
questão dos direitos humanos dos portadores do HIV/AIDS, através da intervenção
da mídia, poderá contribuir para uma mudança significativa no comportamento da
população (COORDENAÇÃO NACIONAL DE DST E AIDS, 1998).
Com relação às ações de educação
sobre a AIDS, cabe ressaltar que, apesar da concentração dessas ações na
redução de risco de infecção pelo HIV, é necessário abordar outras questões
como as associadas ao que foi descrito como "a terceira epidemia":
Na verdade, talvez baste enfrentar
a questão da redução do risco, na medida em que essa série de questões sociais
é abordada pela discussão da AIDS, e tanto a conscientização da AIDS de forma
mais genérica quanto as questões específicas do preconceito e da discriminação
devem ser abordadas, juntamente com a redução do risco, como questões-chave que
também precisam ser consideradas na avaliação do impacto dos programas
educacionais sobre a AIDS (PARKER, 1994, p. 109).
Para tanto, é necessário que se
implante uma programação de ações para a prevenção do HIV/AIDS e de
conscientização sobre os perigos da discriminação e do preconceito em relação à
epidemia de AIDS. A sociedade deve ficar consciente da não existência de grupo
de riscos e do fato de que a AIDS pode fazer-se presente na vida de qualquer
um.
A epidemia da AIDS deve ser vista
como um perigo a toda a sociedade não apenas para grupos de risco. A doença
deve ser motivo de preocupação de todas as pessoas, independentemente de sua
condição social, de idade, sexo ou conduta sexual. Afinal, o grupo de risco é a
própria sociedade (SOUZA, 1994).